A existência fina
Nascer é _________________ passar por um portal e entrar no trabalho magnífico de existir. Existir até que se possa inventar a existência. Isso de inventar uma existência magnífica, por teimosia _____________________________ e por prazer. Desmanchar conceitos como quem serve uma xícara de chá, mas no lugar da xícara, enche o jornal que estava embaixo dela e inunda as palavras escritas. O chá derrama, escorre com as letras e encharca o chão de palavras, que inscreve _______________ Não, não é para limpar o chão das letras, é para se apaixonar pelo desfeito. Me apaixono pelos troncos das árvores que o rio abandonou nas margens. Me apaixono pelas ruínas de um castelo antigo. Me apaixono por tudo que me faça me desfazer.
Nascer é lançar o corpo no mundo. Aparecer de propósito, como uma aparição inesperada e sempre nova. Uma aparição vestida com um vestido que toca a pele mas não se confunde com ela. O vestido deixa ver as formas, o desenho, mas o vestido é a aparição ___________________ que se lança ________________________ de propósito. Deliberado, como escolher um vestido específico. E suportar a existência usando o vestido até que ele se torne um vestido de seda, fino. Um vestido que marca a existência, mas não se confunde com ela. E mesmo assim, o vestido é a existência, porque é a aparição.
E depois de passar pelo portal de nascer e vestir o vestido de existir, dizer palavras que sejam de contar coisas. Dizer palavras que contem _______________ descontando. Dar a palavra e dar também o desconto de cada palavra quando é pronunciada. Deliberada. Uma palavra que já nasce descontada, e conta as coisas pelo desconto que faz de si mesma.
O meu corpo nasce a cada nova tragédia do desfazer. E eu só nasço porque me apaixono pelo desfeito. Me apaixonar pelo desfeito é como pronunciar palavras já descontadas de si mesmas. E é só por isso que pronuncio ___________________ porque derramo o chá no jornal ao invés de encher a xícara. Delibero. O chá encharca de letras e as palavras ficam gordas e mais espaçosas _______________________ e derramam. Se eu não ousasse servir o chá, as palavras não contariam o desfeito do jeito que fazem. E não haveria a minha existência de aparição para ser descontada a cada _________________________ desfeita.
Escolho o vestido errado de propósito, para fazer desfeita. Quando me faço, já me faço desfeita. Por teimosia e _______________________ por prazer. Pronuncio palavras que contam já com o desconto de si mesmas. Nasço do desconto, como um tronco de árvore abandonado pelo rio às suas margens. Lançado no mundo das margens _________________ Aparição.
Surgir nascendo em texto também confessa a aparição. Como o vestido que marca o desenho do corpo, mas não se confunde com ele. O corpo do texto é também __________________ deliberado. E tanto mais de propósito é quanto mais proposital for o chá servido no jornal ao invés da xícara. Eu vi a ausência da xícara, mas servi o chá mesmo assim. Por teimosia e por _________ prazer. Me contento em confessar esse derramamento propositado, do mesmo modo que o rio derrama o tronco à sua margem e confessa o ato com a aparição do tronco. E confesso no texto como quem desconta o que conta com a própria existência. Tornando desde já desfeito o próprio ato de vestir um vestido, que é de seda. Deliberado. Descabido e ____________________ fino.



Belo texto!